sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O Homem do Violino


Dos constructos cognitivos condicionantes da percepção à que destacar os estereótipos. Estas estruturas cognitivas são compostas, segundo Hamilton e Trolier (1986), pelos nossos conhecimentos e expectativas, ou seja, pelos resultados psicológicos das nossas experiências. Ainda segundo os autores, os estereótipos determinam os nossos julgamentos e avaliações, acerca de grupos e/ou dos seus membros. Acrescento aqui, também, além do apontado pelos autores, o contexto e os seus estímulos.
Deixo-vos um exemplo, ocorrido no ano passado numa estação de metro, nos Estados Unidos da América. Segue o relato escrito e o clip com o ocorrido.

Um homem sentou-se numa estação de metro de Washington DC e começou a tocar violino, era uma fria manhã de Janeiro; Ele tocou seis peças de Bach durante aproximadamente 45 minutos. Durante esse tempo, já que era hora de ponta, calcula-se que cerca de 1,100 pessoas atravessaram a estação, a sua maioria, a caminho do trabalho.
Três minutos passaram quando um homem de meia idade notou que o músico estava a tocar, abrandou o passo e parou por alguns segundos, mas continuou depois o seu percurso para não chegar atrasado.
Um minuto depois, o violinista recebeu o seu primeiro dólar: uma senhora atirou o dinheiro sem sequer parar e continuou o seu caminho.
Alguns minutos depois, alguém se encostou à parede para o ouvir, mas olhando para o relógio retomou a marcha. Estava claramente atrasado para o trabalho.
Quem prestou maior atenção foi um menino de 3 anos. A mãe trazia-o pela mão, apressada, mas a criança parou para olhar para o violinista. Finalmente, a mãe puxou-o com mais força e o miúdo continuou a andar, virando a cabeça várias vezes para ver o violinista. Esta acção foi repetida por várias outras crianças. Todos os pais, sem excepção, obrigaram as crianças a prosseguir.
Nos 45 minutos em que o músico tocou, somente 6 pessoas pararam por algum tempo. Cerca de 20 deram-lhe dinheiro mas continuaram no seu passo normal. Ele recolheu cerca de 32 dólares. Quando ele parou de tocar e o silêncio tomou conta do lugar, ninguém se deu conta. Ninguém aplaudiu, nem houve qualquer tipo de reconhecimento.
Ninguém sabia que este violinista era Joshua Bell, um dos mais talentosos músicos do mundo. Ele tocou algumas das peças mais elaboradas alguma vez escritas num violino de 3,5 milhões de dólares. Dois dias antes de tocar no metro, Joshua Bell esgotou um teatro em Boston, onde cada lugar custou em média 100 dólares.
Esta é uma história real, Joshua Bell tocou incógnito na estação de metro num evento organizado pelo Washington Post que fazia parte de uma experiência social sobre percepção, gostos e prioridades.

Acrescento que a mulher que surge na segunda parte do clip mostrando todo o interesse durante grande parte da actuação, justifica a mesma com o conhecimento que tem de quem é Joshua Bell.

Não existiu, claramente, uma percepção clara do que estava a ocorrer. Podemos deduzir várias hipóteses: não existem expectativas para aquele acontecimento naquele contexto; as prioridades individuais não permitiam a percepção da actuação de forma adequada; variáveis idiossincráticas que justificam a não atenção; Tendo em conta tudo o que já foi dito neste espaço sobre percepção, estas hipóteses podem ter base em estereótipos.
A realidade de cada um é uma construção realizada pelas suas percepções. As nossas percepções são resultado de estereótipos, expectativas, motivações e resultados anteriores que são projectados para as situações actuais.
Devido a razões idiossincráticas, centenas de pessoas perderam uma actuação espantosa, e de forma gratuita. Outra variável da percepção, que aqui faria, com certeza, diferença, é a informação disponível no contexto, que, se disponível sobre esta actuação, várias pessoas teriam parado para ouvir.
A mulher do final do clip que fala com o músico não padece do estereótipo de todos os outros. A informação que tem do contexto é oposta a todas as outras pessoas: sabe quem realiza a actuação e pára para ouvir, prestando uma atenção que apenas uma motivação intrínseca poderia provir. Existe também um homem que ouve durante algum tempo, mas como não se manifesta verbalmente, não é possível aferir a sua percepção da situação. Mas claramente, foi diferente. Não usou estereótipos e permitiu-se ser surpreendido por informação nova. Não valerá esta permissão a pena, mesmo que de vez em quando?


Tiago A. G. Fonseca

Hamilton, D.L., & Trolier, T.K. (1986). Stereotypes and stereotyping: An overview of the cognitive approach. In J. Dovidio & S. Gaertner (Eds.), Prejudice, discrimination, and racism (pp. 127-163). Orlando, FL: Academic Press.

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