sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

[PREVENIcaNDO]: Tempo


É cedo, são seis da manhã e estou atrasado a caminho para o aeroporto. As viagens deixam-me sempre muito acelerado. Há todo um fascínio na ida para outro país mesmo quando o motivo é trabalho. O fuso horário muda, as gentes mudam, o ritmo muda. Contudo não muda da mesma maneira para todos. À minha volta há quem corra (mais do que eu), há quem se arraste pelos acessos às portas de embarque (afinal de contas não deixam de ser seis da manhã), há quem se descontraia, há que se exercite, há quem já jogue um jogo qualquer na consola. O tempo, sendo comum a todos, é ao mesmo tempo tão diferente. Para uns pode ser denso, para outros fluido, para uns pode ser viscoso, chato e interminável, para outros é solto e rápido. No entanto, estamos todos no mesmo tempo. Ou não estaremos? Se isso é indubitável no que diz respeito ao tempo físico, já não o é no plano biológico (idades, origens geográficas, sexos,…) ou no plano psicológico (tristeza, alegria, stress, tranquilidade,…) em que a vivência do tempo é muito diferente.

Usei frequentemente nas minhas dinâmicas de grupo, o exercício de dar a pessoas diferentes, uma tarefa de natureza variada e pedir-lhes que contassem tempo. Assim, enquanto uns corriam pela sala, outros enfrentavam as paredes, outros tinham de olhar fixamente os olhos de um desconhecido, enquanto outros ainda se mantinham em posições que diferiam na escala de desconforto. Invariavelmente o mesmo intervalo de tempo esticava ou encurtava consoante a contagem era feita por alguém que se sentia bem ou mal na tarefa.
Porque é que eu usava esta dinâmica num grupo de formação? Porque frequentemente nos confrontamos com situações em que reagimos aos outros sem levar em consideração a sua vivência particular do tempo. O contexto escolar, por exemplo, obriga a processos muito complicados de adaptação a ritmos e tempos diferentes. A cadência da exposição do professor, o “compasso” das diferentes matérias, o impacto do relógio de necessidades do nosso corpo, marcam de forma diversa o estar nas aulas. O cruzamento dos diferentes “estares” provoca uma cacofonia desarmoniosa frequentemente mal entendida e mal gerida por todas as partes. Mas também em casa esta realidade se verifica. É frequente que quando os mais velhos começam a acordar estão os mais novos a pensar em dormir ou vice-versa consoante a fase do ciclo de vida. De acordo com as tarefas, constroem-se críticas em torno do ritmo de trabalho ou do ritmo de laser. Nem sempre se encontram tempos compartilhados ou simplesmente ritmos paralelos. E se tal não acontece como se pode esperar uma construção conjunta, ou diálogo uma partilha? São já bastantes os projectos e programas de trabalho que fazendo da promoção de um tempo – interno e externo – comum, um ponto de partida para o entendimento, concentração e entrega. Este tipo de abordagem tem expressão em contextos tão diferentes, quanto o escolar, familiar, organizacional, clínico entre outros. É muito curioso pensar como o tempo pode dar espaço à relação, ao conhecimento, à consciência de si e dos outros. Da mesma maneira é curioso perceber como o espaço pode dar tempo à relação, ao sentimento, à identidade. Mas disso falaremos noutro dia.
Neste momento são oito da manhã. A correria deu lugar a um voo tranquilo e os pensamentos fugidios puderam finalmente concretizar-se neste pequeno texto que estava em atraso. E do tempo investido se gera tranquilidade e da tranquilidade emerge um tempo de qualidade. Fechemos os olhos e descansemos enfim…

Raul Melo

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