segunda-feira, 22 de abril de 2013

[Comboio do Desenvolvimento]: O Tempo na Psicologia do Desenvolvimento


Como prometi, vamos continuar a reflectir sobre a relação dos psicólogos do desenvolvimento com isso a que chamamos tempo.
Vimos, há uns dias, que não é o próprio tempo que nos atrai, mas sim os processos temporais, aquilo que ocorre no tempo.
Porquê?
Porque os psicólogos do desenvolvimento procuram essencialmente descrever como a conduta humana muda no tempo, e não com o tempo, ou seja, como a experiência de relação consigo, com os outros e com o mundo físico se vai sucessivamente transformando, organizando e reorganizando ao longo do ciclo de vida de cada um de nós.



 
Lembram-se do nosso comboio? Sempre que passava, percorria o mesmo percurso, sensivelmente à mesma velocidade e um qualquer gravador, fixo num mesmo local, registaria certamente a mesma sequência de sons que invadiam o espaço e que ocupavam, sensivelmente, o mesmo intervalo, a mesma duração, no tempo. Mas, não eram, de facto, esses intervalos de tempo que moviam o comboio ou que faziam mudar a intensidade dos sons que a máquina registava. A passagem regular daquele comboio, por aquele local no espaço, até parecia acontecer com o tempo, pois podíamos prever a hora em que iria passar e a duração do som que nos iria deixar. Mas nunca era, de facto, essa hora ou essa duração do tempo que fazia o comboio seguir aquele percurso, com aquela velocidade e deixar aqueles sons que a máquina guardava. 

Para os psicólogos do desenvolvimento, o tempo biológico, os processos temporais que marcam a maturação e a degenerescência do organismo que somos são determinantes, pois induzem mudanças comportamentais inquestionáveis. Desde sempre se reconhece o efeito das mudanças biológicas e, actualmente, investigam-se, cada vez mais, as relações entre os componentes psicológicos e neurológicos da conduta humana.
Porém, apesar do aceso debate actual sobre a independência e identidade da nossa disciplina, acredito que a Psicologia continua a fazer sentido e que ainda podemos argumentar, com Piaget, Vygotski e muitos outros psicólogos do desenvolvimento, que o tempo de vida, a idade de cada um de nós não constitui o único motor, senão mesmo o principal factor, de mudança comportamental.
Pensem, por exemplo, nas crianças e adolescentes que vivem, hoje, nas sociedades social e culturalmente mais evoluídas. Os cuidados pré-natais e neonatais, o acompanhamento médico regular, a qualidade da nutrição e o exercício físico a que são submetidas têm promovido uma maioria de crianças e jovens saudáveis, do ponto de vista orgânico, fisiológico. Permanecem, porém, acentuadas diferenças individuais no seu desenvolvimento psicológico, cognitivo, sócio-cognitivo, emocional ou social-relacional.
Pensem, por exemplo, na actual campanha em favor do envelhecimento activo. Nesta faixa etária, o risco de doenças do foro neurológico é particularmente acentuado e, para o prevenir, muitos especialistas reconhecem, cada vez mais, o efeito positivo da conjugação do exercício físico e da nutrição saudável com a actividade intelectual ou artística, a socialização ou, mesmo, com a intervenção psicológica.

Para os psicólogos do desenvolvimento, o tempo biológico é inquestionável. Mas, este não é, em rigor, o nosso objecto de investigação, de avaliação e de intervenção.
O tempo que interessa os psicólogos do desenvolvimento é o que poderemos designar o tempo psicológico, ou seja, os processos temporais que marcam a sucessão de mudanças de comportamento, de natureza qualitativa, estrutural e funcional, relativamente estáveis e duráveis no ciclo de vida das pessoas. Dito de outro modo, os investigadores do desenvolvimento psicológico procuram captar, descrever, compreender e prever o processo de evolução e de involução da experiência e/ou da conduta humana, processo este que ocorre no tempo e não necessariamente com o tempo, pois não é apenas um resultado passivo da idade, do tempo de vida do organismo que somos.
Mas, daqui a uns dias, continuamos a reflectir um pouco mais sobre o tempo que atrai os psicólogos do desenvolvimento.

M. Stella Aguiar


Referências:
Castro Caldas, A. (2013). Uma Visita Politicamente Incorreta ao Cérebro Humano. Lisboa: Bertrand.
Smith, L. B. & Thelen, E. (2003). Development as a dynamic system. TRENDS in Cognitive Sciences, 7 (8), 343-348.

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