quarta-feira, 10 de abril de 2013

[PREVENIcaNDO]: Porque estão onde estão?


No último texto falei-vos do corpo como a casa que habitamos. Hoje falo-vos da vizinhança. Quando pensamos numa casa ela tem um enquadramento, está no centro da cidade, ou nos subúrbios, perto de outras casas ou isolada, é um castelo ou um piso térreo despretensioso. Pensar onde nos situamos face aos outros é um tópico essencial no plano preventivo.

Um dos momentos que recordo como de maior beleza na dinamização de grupos acorreu em torno deste tema. Tratava-se de um grupo de universitários que se preparava para assumir a condução de campos de férias de grupos de jovens em rutura escolar enquadrados pelo Programa para a Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PEETI). Estávamos no final da formação e tinham sido já muitas as dinâmicas aprendidas, estratégias equacionadas, técnicas aprendidas. Mas era importante que cada um pensasse aonde a formação o tinha levado. Pediu-se que cada um escolhesse na sala o seu lugar. O lugar que o situasse face aos outros e face a si próprios. Uns escolheram as janelas, pela luz, pela vista para o exterior, pelo calor ou simplesmente pelo prazer. Outros procuraram lugares junto àqueles de quem mais gostavam, pelo afecto, pelo sentido que encontraram no grupo, pelo calor humano, pela proximidade. Outros escolheram estar em locais confortáveis, porque era assim que se sentiam, bem com eles e com o mundo, prontos para o que aí vinha. Uns estavam junto às paredes pela protecção que estas lhes ofereciam, num futuro que se avizinhava trabalhoso. Outros ainda estavam junto às portas, como quem entra ou já como quem sai. A formação não fora fácil para alguns e a porta assumia-se como uma segurança que permitia repensar se a coisa corresse mal. Um a um todos falaram do sítio onde estava e porque é que ali estavam. Ouvi-os do centro da sala, requerendo o silêncio de respeito, saltando de elemento em elemento, como um processo circular. O cansaço, o calor de início de verão convidava a um remate tranquilo para o percurso feito em comunhão. No final havia sorrisos cúmplices e o campo estava claramente relaxado. Do meu lugar no meio da sala dei-lhes os parabéns. Também eu sabia o meu lugar e a razão de lá estar. Eu estava ali naquele centro porque naturalmente as coisas rodavam à minha volta. Mas sobretudo eu estava ali, porque todos eles estavam onde estavam.

Raúl Melo

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