domingo, 30 de junho de 2013

Filmes, Livros e Psicologia: Kitchen Nightmares (2007) Parte 01


            Hoje trago-vos um dos programas de maior sucesso do chef Gordon Ramsey, Kitchen Nightmares.
            Neste programa, Gordon recebe apelos de restaurantes à beira da falência e encerramento, e ajuda-os, através de um processo de mudança intensivo, físico e psicológico, a voltar ao negócio como outrora era. Para isso, são muitos obstáculos a enfrentar, desde falta de motivação, pessoas em negação, violência, má gestão, inaptidão ou incapacidade habilidosa para o efeito, ou mesmo problemas relacionais interpessoais. É sobre este último que hoje falo.
            Mas não quero fazer uma grande análise. Penso que será mais furtuito se cada um procurar um episódio e ver por si.
            Em cada um, é possível desvendar problemas relacionais que muitas vezes são o foco das dificuldades no trabalho, e que impossibilitam o sucesso. Discussões que geram discussões, que reforçam mal entendidos até serem verdades absolutas. Alguns episódios, verdadeiros oásis para terapeutas de base sistémica.
            A retirar daqui a importância das relações interpessoais na nossa vida pessoal e colectiva, que muitas vezes são descuradas, levando a consequências que podem apenas ser notórias em extremo.
            Mostra também a dificuldade de manter relações obrigatórias saudáveis no trabalho, obrigando a um cuidado muito maior do que estas já obrigam. Estamos a falar de restaurantes que na sua maioria são familiares, onde irmãos e esposas, cunhados e sogros, filhos e primos trabalham juntos, partilhando relações obrigatórias familiares com relações profissionais de obrigações hierárquicas. Sensíveis e delicadas, estas relações devem ser cuidadas e tidas como vulneráveis nestes meios. Principalmente, voltando ao restaurante, estando a família toda a trabalhar no mesmo local, este será o seu único sustento.

            Tiago A. G. Fonseca

sexta-feira, 28 de junho de 2013

[Psicriancices]: A Ansiedade em Crianças e Adolescentes


A Maria, de 9 anos, não gosta de dormir sozinha no seu quarto: “Ficas ao pé de mim mãe?”, diz ela. A mãe conta-lhe outra história, dá-lhe um beijinho e sai. Poucos minutos depois, a Maria aparece novamente à porta do quarto da mãe: “Acho que ouvi qualquer coisa no quintal! Tenho medo que alguém entre cá em casa!” Mãe: “Não está ninguém no quintal, não vai acontecer nada”. Maria: “Mas eu vi no telejornal mãe, pode entrar alguém cá em casa!” A Maria nunca se tinha preocupado com as notícias que davam na televisão. Só recentemente é que os seus pais se aperceberam que ela fica muito preocupada quando vê notícias.

Será que a Maria tem uma perturbação de ansiedade?
É possível, mas para termos a certeza precisaríamos de bastante mais informação.
As crianças com ansiedade veem o mundo como um lugar perigoso. Têm medo de se magoar, física ou socialmente e sentem-se ansiosas mesmo quando não existe um perigo real. A forma como as crianças lidam com a sua ansiedade pode torná-la pior. Se continuarem a evitar as coisas que as deixam ansiosas, nunca irão aprender estratégias eficazes para lidar com a ansiedade e esta continuará a aumentar.

O Medo e a Ansiedade
Ao longo da infância e adolescência surgem determinados medos, que são transitórios e normativos e que protegem a criança face a estímulos que são incompreendidos e incontroláveis para ela. Na sua maioria, os medos aparecem numa determinada fase de desenvolvimento de forma a facilitar a resolução de determinadas tarefas. São, por isso, adaptativos e tendem a desaparecer ou a diminuir quando deixam de o ser. As crianças em idade pré-escolar têm normalmente medo de coisas imaginárias (por exemplo, monstros escondidos debaixo da cama), enquanto que em idade escolar receiam sobretudo coisas reais que podem acontecer (por exemplo, serem assaltadas). Mais tarde, os medos têm tipicamente a ver com o possível fracasso escolar ou social.

Em algumas situações, os medos persistem depois de terem comprido a sua função adaptativa e interferem significativamente nas rotinas diárias da criança, podendo tornar-se patológicos.

As perturbações de ansiedade são consideradas uma das perturbações psiquiátricas mais prevalentes em crianças e adolescentes. Costello e colaboradores (2003), num estudo epidemiológico, verificaram que aproximadamente 10% das crianças sofrem de um problema de ansiedade clinicamente significativo antes dos 16 anos de idade.

Tem sido demonstrado que as perturbações de ansiedade interferem de forma significativa no funcionamento adaptativo da criança em diferentes domínios, como o escolar, o familiar e o das interações interpessoais. A presença destas perturbações na infância coloca em risco as aprendizagens escolares, as interações sociais e dificulta a resolução de tarefas de desenvolvimento, como por exemplo, a independência financeira, a separação da família de origem e a obtenção de um emprego. São ainda consideradas um fator de risco para o desenvolvimento posterior de outras perturbações de ansiedade, depressão e abuso de substâncias.

Sabia que?
Apesar da sua elevada prevalência, frequentemente as perturbações de ansiedade não são detetadas nem são alvo de intervenção. No estudo de Lyneham e Rapee (2007), os autores verificaram que apenas 32% das crianças identificadas como tendo uma perturbação de ansiedade já haviam recorrido a ajuda profissional. Segundo os autores, os sintomas de ansiedade podem ser vistos pelos pais como um traço de personalidade da criança que, por sua vez, não é modificável. Segundo os resultados do estudo, 81% das mães reconheceram problemas de externalização nos seus filhos, mas apenas 54% reconheceram sintomatologia de ansiedade. As crianças com ansiedade são normalmente calmas e obedientes e isto pode fazer com que os seus problemas passem despercebidos, por serem menos visíveis e menos perturbadores para os outros.


 SINAIS DE ALERTA

As crianças com uma perturbação de ansiedade podem:
O que os outros podem notar:
• Pedir tranquilizações frequentemente
• Dependem demasiado do adulto
• Pedem de ajuda em relação a coisas que já conseguem fazer sozinhos
• Evitar situações que as preocupam ou as deixam assustadas
• Não querem preparar-se para ir para a escola
• Não querem dormir sozinhos no seu quarto
• Tentar que sejam os outros a fazer as coisas que os deixam preocupados/com medo
• Perguntam frequentemente: “Podes ir lá tu?”
• Perguntam frequentemente: “Diz tu por mim?”; “Pede tu?”
• Apresentar queixas somáticas
• Queixam-se frequentemente de dores de cabeça ou de barriga, vómitos, náuseas, dores musculares
• Evitar situações novas e correr riscos
• Preocupam-se em fazer as coisas sempre bem
• Preferem ficar a ver do que participar
• Apresentar muitos medos
• Têm medo do escuro, de testes, de injeções, de cães, de germes e de ficar sozinho…
• Frustrar-se facilmente
• Choram facilmente
• Queixam-se frequentemente que gozam com eles
• Apresentar muitas preocupações
• Veem sempre um lado perigoso em tudo

Teresa Marques
Vanessa Russo

Bibliografia:
Albano, A. M., Chorpita, B. F., & Barlow, D. H. (2003). Childhood anxiety disorders. In E. J. Barkley, & R. A. Mash, Child Psychopathology (2 ed., pp. 279-329). New York: The Guilford Press.
Baptista, A., Carvalho, M., & Lory, F. (2005). O medo, a ansiedade e as suas perturbações. Psicologia, 19(1/2), 267-277.
Costello, E. J., Mustillo, S., Erkanli, A., Keeler, G., & Angold, A. (2003). Prevalence and Development of Psychiatric Disorders in Childhood and Adolescence. Archives of General Psychiatry, 60, 837-844.
Craske, M. (1997). Panic and anxiety in children and adolescent. Supplement to the Bulletin of the Menninger Clinic, 61, A4-A36.
Essau, C. A., Conrad, J., Petermanna, F., & Phil. (2000). Frequency, Comorbidity, and Psychosocial Impairment of Anxiety Disorders in German Adolescents. Journal of Anxiety Disorders, 14, 263-279.
Muris, P., Mayer, B., Bartelds, E., Tierny, S., & Bogie, N. (2001). The revised version of the Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders (SCARED-R): treatment sensitivity in an early intervention trial for childhood anxiety disorders. British Journal of Clinical Psychology, 40, 323-336.
Rapee, R. M., Schniering, C. A., & Hudson, J. L. (2009). Anxiety disorders during childhood and adolescence: Origins and treatment. Annual Review of Clinical Psychology, 5, 311-341.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

[Mudança]: "No meu livro, escrevemos nós"

"No meu livro, escrevemos nós"
A Psicologia co-construída

Aos homens que pensam deter as ciências, queiram permitir que elas voem pelo Mundo: a primeira aprendizagem acontece na partilha da observação e demora muitas pessoas.
É para todos, a Psicologia. Para os que a estudam, para os que a aplicam, para os que a lêem; para os que a esperam, para os que a descobrem, para os que a defendem. Sem a barreira da pontuação, a Psicologia é para todos. Apontemos as luzes para os que a pensam.
A primeira decepção: não há um mecanismo cognitivo e comportamental que a permita eficiente; não há um paradigma infalível; não há uma lista de regras semânticas. A Psicologia desilude: não é uma, não é sozinha, não é logo. É recriada, em todas as sessões. Neste pulsar, com o cliente, o processo nunca se replica: a Psicologia, quando é Psicologia, é uma orientação co-construída, de vida efémera. De sessão para sessão, a ingenuidade migra, por se descobrir um processo também escolhido, mais escolhido, pelo cliente; um ramo, que rega outro, até a árvore querer crescer. Uma palavra de apreço a todos os manuais galácticos que idolatramos, aos anos de anfiteatro. Afinal, são eles a nossa licença para aprender.
Numa prevaricação da escrita objectiva, falo de mim. Leio Rogers: fascínio pelos olhos que vêem a Pessoa. Antes-Depois, cachos de técnicas que nos tornam poderosos Profissionais do Humanismo. Para quem lê apenas: o rigor ainda sem teor. Uma vez (talvez ficasse lírico dizer que foi há muitas experiências, mas foi na imaturidade de dois anos) planeei uma sessão orientada para a história de vida de um cliente. Começou a linha. A caneta pousou. Percebi que não era preciso a linha, naquele dia. Não era esse o pedido. A linha ser-me-ia dada pelos segmentos e a cronologia não pedia urgência. Fui espaço, templo de validações, folha partilhada. Neste dia aceitei, finalmente, o movimento simples de saber que a Psicologia é uma relação e que nesta, há uma receita de palavras desordenadas: o cliente escolhe a primeira e nós orientamos a procura do sentido das seguintes.
Depois, nova ideia interrogativa, que tocou no ombro da anterior: que método tinha, que linha de pensamento seguia, o que me orientava. Sem perder o locus em mim, não temi aceitar que a resposta é também detida por cada Pessoa na qual me centro. A que conheço e a que virei a conhecer, em páginas terapêuticas co-construídas, histórias de tricot que sem começo, sem fim, param temporariamente onde conseguem aquecer. 
E a Psicologia - passo a cédula -, ainda é o espaço de relação onde um Homem consegue orientar Outro para o poder que tem no livro que escrevemos.

Ana Rita Caldeira

sexta-feira, 21 de junho de 2013

[Envelhecer]: As Categorias Etárias


Os idosos - Hà inúmeras dificuldades em delimitar este grupo tão vasto e heterogéneo de adultos. A atribuição do rótulo 3ª idade e 4ª idade está ainda muito vinculada ao número de anos de vida. A utilização desta forma de arrumar ou dividir este grupo é bastante artificial e pouco esclarecedora, pois algumas pessoas chegarão antes a esta etapa do desenvolvimento enquanto outras chegarão depois e outras mesmo há que nem chegam a identificar-se com este conceito de idoso.
Os critérios de inclusão numa ou noutra categoria são sobejamente revistos e quase reinventados em cada grupo estudado. O trabalho de separar em pequenos grupos este grupo, de forma a ser mais manejável em investigação, fica dificultado pela sua notória heterogeneidade e  recorre-se frequentemente ao atributo idade. Esta utilização do número de anos de vida está enraizado no estudo com crianças e tem várias vantagens reias, nomeadamente: por ser uma variável facilmente mensurável; que os participantes partilham sem grande dificuldade; e é medida da mesma forma em toda a gente. No entanto esta é uma fase do desenvolvimento verdadeiramente delimitada e facilmente demarcada, não pelo número de anos que já se viveu, mas pelas tarefas que é necessário empreender, pelas mudanças fisicas e psicológicas ligadas à adaptação aos novos papéis e funções que se viveu e que se está a viver.
Existem várias teorias do deselvolvimento que abordam esta ideia de tarefas a realizar na idade adulta e na velhice, mas que pensam os leitores deste blog? O que será(ão) a(s) tarefa(s) desenvolvimental(is) que um idoso tem por realizar? E aquele provérbio “burro velho não aprende línguas”? Será que ainda fica alguma coisa por fazer quando se chega à reta final da vida? Estará a velhice condenada a ser uma mera repetição de rituais, rotinas e hábitos há muito enraizados e sem hipótese de mudança?

            Ana Carla Nunes

terça-feira, 18 de junho de 2013

[Comboio do Desenvolvimento]: O Tempo na Psicologia do Desenvolvimento


Lembram-se de Einstein? Desafiei, particularmente os psicólogos, a um exercício de descentração cognitiva, pelo menos tão “genial” como aquele que levou Einstein a descobrir a importância da psicologia do desenvolvimento cognitivo!  
Vejamos então se conseguiram captar a pré-lógica que caracteriza a forma de representar o tempo que vos mostrei há uns dias e que Piaget designou pensamento pré-operatório. 
Nesta primeira forma de representação, a criança associa a idade das pessoas ao crescimento físico (particularmente à altura), a dimensão perceptivamente saliente. Por isso, quem é fisicamente maior é sempre mais velho e, se os adultos pararam de crescer, então já não podem envelhecer mais. Também por isso, a idade não depende da data do nascimento, pois quem nasceu primeiro é geralmente a própria criança, mesmo que seja a mais nova da família (egocentrismo do pensamento), mas os mais novos podem sempre, um dia mais tarde, passarem a ser os mais velhos, se crescerem muito e ficaram fisicamente maiores. Em síntese, o pensamento pré-operatório é regulado por critérios perceptivos e egocêntricos que são inquestionáveis para o próprio sujeito, pois o que parece é e não pode deixar de ser assim.
Oiçam agora o que diziam outras crianças, da mesma idade ou um pouco mais velhas (4-7 anos), cujo pensamento Piaget situa num nível intermédio (entre o pensamento pré-operatório e o pensamento operatório concreto) de representação da idade das pessoas!

Tens irmãos? Uma irmã e um irmão, Florian, de 9 meses. Vocês são da mesma idade? Não. Primeiro o meu irmão, depois a minha irmã, depois eu, depois a mãe, depois o pai. Mas quem nasceu primeiro? Eu, depois a minha irmã, depois o meu irmão. Então quando tu ficares velho, o Florian vai continuar mais novo do que tu? Sempre não. A gente vai ficar com a mesma idade. (Piaget, 1946a/2002, p. 235-237, Tipo 2.1) 

Tens irmãos? Uma irmã mais nova, de 6 anos. Quantos anos menos do que tu? Dois anos. Quando tu fores uma senhora, ela terá a mesma idade que tu? Não, ela será menor do que eu. Quantos anos menos. Dois. Tens a certeza? Sim. Porquê? Porque é sempre a mesma coisa que agora. E quando forem muito velhas? Sempre a mesma coisa. Então qual das duas nasceu antes da outra? Não sei. Quem nasceu primeiro? Não sei. Ela não me disse quando nasceu. (Piaget, 1946a/2002, p. 235-237, Tipo 2.2)   

Será que estas duas formas de pensar a idade das pessoas são, de facto, mais inteligentes do que a representação que tinham as crianças pré-operatórias? Porquê? O que é novo, diferente, mais realista, na representação da idade por estas crianças? E o que permanece primitivo, perceptivo e egocêntrico? Ou será que Piaget não tem razão, o pensamento das crianças continua apenas regulado por critérios pré-lógicos, pré-operatórios, e isso a que chamou desenvolvimento cognitivo permanece, por agora, uma pura ilusão?
Desafio então os meus leitores, particularmente os psicólogos, a um novo exercício de descentração cognitiva, tão exigente como aquele que já experimentaram. Espero!...
Porquê? Porque só esse esforço nos permite compreender esta nova forma de representação do tempo e do mundo em que vivemos. E, também, porque só esse esforço de descentração cognitiva nos permite captar a perspectiva de análise dos psicólogos do desenvolvimento. 


Maria Stella Aguiar

sábado, 15 de junho de 2013

[PREVENIcaNDO] Alô? Está alguém ai?


Quando nos atrasamos nos nossos compromissos ficamos naturalmente com receio das consequências. Ficaram chateados comigo? Não contarão mais comigo para outras coisas? Cortarão relações? Esquecer-se-ão de que existo? Foi isso que aconteceu comigo em relação ao presente texto.
Vergonhosamente a vida não proporcionou um tempo e um espaço para corresponder ao meu compromisso. Este vazio, este silêncio imposto pela ausência, deixa no ar o receio da quebra de um contacto, uma interrupção na estabilidade de uma relação que se vinha mantendo. Quais são as implicações? Naturalmente a primeira é o sentimento de ansiedade que se traduz no desejo de ter feedback do meu retorno. A procura de algo que me securize sobre a manutenção do contacto pré-existente. Depois a necessidade de reparar a falha, dizendo mais, sendo mais demonstrativo, querendo dizer ao outro que é importante, querendo saber se sentiu a minha falta. Se o feedback tarda, se a reparação não é possível fica um sentimento estranho que cada um resolve ou integra à sua maneira, reorientando a sua comunicação, remetendo-se ao silencio, aguardando estoicamente o retorno da comunicação. A opção terá a ver com a minha capacidade de lidar com o tempo, a confiança que tenho em mim e na relação que tenho com o outro, na importância que dou a essa relação, no contexto em que ela se enquadra, no meu estado emocional à data… tanta coisa… Mas ao limite tem a ver com a relação e como tal tem a ver com aquilo que trabalho quando intervenho na prevenção.
Uma das dinâmicas a que recorro quando quero trabalhar este tema, é de uma simplicidade atroz. Começo por pedir aos participantes que procurem um lugar na sala onde se instalem confortavelmente de olhos fechados. Depois, muito simplesmente circulo pela sala tocando-os de modo a ligarem-se ou a desligarem-se do mundo (se estão ligados o toque desliga-os). Quando ligados, cada um decide como se quer ligar ao mundo, sendo que não pode abrir os olhos nem sair de onde está. Mas pode falar, cantar, fazer ruídos ou mesmo… ficar em silêncio. E o jogo vai decorrendo, comigo a deambular por entre o grupo, permitindo ou interrompendo conversas, brincando com o ritmo com que se liga ou se desliga alguém, alargando ou reduzindo a rede de pessoas em contacto simultâneo. No final de 5 minutos, gera-se a reflexão em torno da experiência. “Senti-me muito sozinho. Ninguém me respondia.” Fiquei chateada porque fiz-lhe uma pergunta e ele não respondia. Só depois é que percebi que se calhar tinha sido desligado.” “E eu aflito porque ela ia ficar chateada comigo!”. “E preferi ficar calado a ouvir as conversas”. “Eu não sabia o que havia de dizer. Mas depois reconheci a voz de alguém que estava ao pé de mim e tudo se tornou mais fácil.”
A relação encontra os seus caminhos por entre os silêncios. Alguns são incómodos, outros aguçam o desejo do reatamento. Alguns são pesados, outros são preenchidos de significado. Os silêncios pautam a relação, dão-lhe cadência, criam espaço para a imaginação que os preenche, a dúvida que alimenta a comunicação, que por sua vez alimenta a relação.
Peço desculpa pela minha ausência… a relação segue dentro de momentos.

Raúl Melo

quinta-feira, 13 de junho de 2013

[The Naked Lunch]: Álcool e Sociedade


Na sequência da leitura da notícia “40% dos homicídios estão relacionados com problemas de álcool” (18/03/2013), comecei a esboçar mentalmente este post.


Soube logo sobre o que queria escrever mas confesso que levei algum tempo até encontrar um título que me satisfizesse…
Ao longo da notícia podemos ler sobre uma série de estatísticas das consequências dos consumos: 40% dos homicídios estão relacionados com problemas de álcool; mais de 40% das situações sinalizadas às comissões de protecção de crianças e jovens pertencem a famílias com problemas de alcoolismo; estima-se que cerca de 30% dos acidentes rodoviários, assim como 25% da sinistralidade laboral estejam associados a consumos de álcool...
Pensei que um bom título seria “álcool e problemas legais”, que mais poderia ser? Mas o que estava na minha mente ao ler a notícia era a ideia de quão aceite são os consumos de álcool na nossa sociedade, quão presente o álcool está nos nossos costumes, rituais, nos momentos considerados mais importantes da nossa vida (“vamos fazer um brinde!”).
Assim, este post não se poderia chamar “álcool e problemas legais”. Penso que isso iria tirar de certa forma a responsabilidade social, de todos nós, neste problema. Quando se lê “em Portugal, morrem cerca de 7.000 pessoas por ano devido a problemas ligados ao álcool, sendo assim considerado o terceiro de 26 factores de risco de doença, depois do consumo de tabaco e da hipertensão arterial” assusta!
Parece inconsistente uma substância que tem tantas consequências nefastas para o ser humano ser também tão acarinhada e figura indispensável e de referência no nosso dia-a-dia. Ser anunciada inclusivamente como uma referência do nosso país (vejam os outdoors da cerveja sagres).
Não quero ser mal interpretada, eu gosto de um belo copo de moscatel! Mas olho para estes dados e penso “o que pode ser feito? O que é que nós enquanto sociedade podemos fazer? Ou o que é que tem sido mal feito até aqui?”
Para já não tenho respostas, só muitas questões. A única coisa que eu sei é que este post não se podia chamar “álcool e problemas legais”…

Ana Nunes da Silva

sábado, 8 de junho de 2013

[Mudança]: Bandura em Hierarquia


Pedagogia Aplicada ao Desenvolvimento Social

Fala-se em pedagogia: a que vive nas correntes, no design, nas políticas da educação, nos projectos financiados, nas metacriações, nos dilúvios estatais, no altruísmo dos que vão pela causa. Omnipresente.

Foco a lente na pedagogia aproximada às práticas de intervenção. Foco a pedagogia no desenvolvimento social e comunitário.
Não raras vezes, nascem projectos elaborados sobre refinados dogmas, destinados a uma população, com um how-to fabricado nas nossas ideias. Muitas vezes, dedicados a grupos de jovens. Adequemo-nos, nós, profissionais. Sejamos parte do processo e do seu nascimento; não as figuras distantes que escolhem os parágrafos certos dos livros. Adequemos as práticas, sejamos as práticas, conheçamos as pessoas, contemplemos as fases de vida, estudemos a pedagogia.

Vamos mergulhar num setting: sistemas – contexto de risco – relações intergeracionais conflituosas – desemprego – pirâmide de Maslow asfixiada (passo a causalidade tão linear). Depois, pensamos num projecto de intervenção, desenvolvimento e formação para os desafios. Aplaudimos os conteúdos: emoções – pensamentos - comportamentos – vínculos – papéis – resolução de conflitos – partilha. Clap – clap.
Talvez tenhamos que ser também outras práticas. Naturalmente, aqui estamos nós a existir e junto a nós, os nossos desafios intelectuais e tácitos, no caminho que nos cativa para o que há além. Assim, no trabalho com práticas pedagógicas e formativas em contexto de risco, com preâmbulos comunitários, podemos nós ser a corda que dá o sopro ao salto.

Peguemos de novo nas emoções, pensamentos, comportamentos, vínculos, papéis, resolução de conflitos, partilha (clap-clap) e construamos uma pirâmide de prioridades pedagógicas. Não só com os conteúdos: com as pessoas do sistema que são o início dos modelos sociais. A pedagogia, em pirâmide, com a colaboração dos elementos que transmitem o modelo geracional, usando o que já fazem, o que já conhecem, o que já funciona.  
Acções começam na prática com a valorização do que já existe, no fermento de ser maior. Não regar a corrosão; ser justamente a película que protege as competências que já respiram e que polvilha a motivação no seu desenvolvimento.
Quero ser mais organizadora: há uma população; há diferentes sistemas; há diferentes selves. Histórias de vida, de relações, de desafios, de pontos fortes, de mudanças. Qualquer acção pedagógica e formativa será o novo embrião, nascido top-down. A realidade que veste as práticas e que reforça a importância prioritária de também formar adultos, que são modelos para outras gerações. Adultos que têm práticas e que em contexto de risco, nem sempre são o target escolhido. Estes, também interrompem os seus estádios com desafios temporalmente muito próximos e negligenciam a sua formação e a consolidação de competências funcionais. Estes, são o modelo dos filhos, dos netos. Dos que estão perto.
Neste sentido (que é semanticamente um, no humanismo de muitos) somos nós, profissionais, também responsáveis pela Modulagem das pessoas com as quais trabalhamos. E se Maslow tem uma Hierarquia de Necessidades, vejo Bandura com uma Hierarquia de Modulagem: usar a pedagogia como veículo para formar modelos para as gerações. Também esta prática é piramidal e todos, enquanto crianças, do topo da pirâmide viajamos até à base. À base enquantos adultos, que também formam, que educam, que são pedagogos nos seus sistemas.
Pensemos, quando escolhermos mudanças, que a prática é o primeiro espelho onde o desenvolvimento se consegue reflectir.

Ana Rita Caldeira

quinta-feira, 6 de junho de 2013

[ConsultoriaRH]: Sim ou não às especialidades…


Ultimamente tem sido tópico de algumas conversas de café a dificuldade que é encontrar emprego após finalizado o Mestrado em Psicologia. São diversos os desafios que cada um de nós enfrenta no dia-a-dia, quer seja pela dificuldade de acesso à ordem, ou a estágios remunerados ou pior, não encontramos efectivamente algo que corresponda às nossas expectativas.

Aqui, muitas vezes, a única solução que temos é adaptarmo-nos à situação actual e repensarmos as nossas prioridades e as nossas motivações de carreira. Deste modo, a nossa adaptação não deverá passar por uma abordagem cega aos problemas, mas devemos antes privilegiar uma análise cuidada da nossa situação actual, do nosso background e do nosso futuro.

Muitas vezes surge a questão: É boa ideia mudar de “especialidade”?

A resposta a esta pergunta depende efectivamente de cada um, não há, neste momento, a possibilidade de afirmarmos se é certo ou errado uma pessoa de clínica vir trabalhar para a área de recursos humanos ou vice-versa. A verdade é que cada um de nós, mais do que ninguém, tem que encontrar o caminho que melhor o conduz ao seu destino, sendo que esse destino pode ser a anos de luz do que tinha perspectivado inicialmente. No contexto actual, a capacidade de adaptação surge como uma das competências mais importantes para os recém-licenciados de todas as áreas e mais ainda naquelas de conhecida baixa empregabilidade.

Portanto, enquanto a ordem não ditar as fronteiras, nós podemos procurar o nosso caminho, a situação da empregabilidade dos psicólogos em Portugal é complexa, mas não vamos desistir.

Inês Lemos

terça-feira, 4 de junho de 2013

Evento: Traçar o Risco, Desenhar o Bem-estar

O Psicologia Para Psicólogos juntou-se aos estudantes da unidade curricular de Adaptação e Prevenção de Risco para trazer o Seminário: Traçar o Risco, Desenhar o Bem-estar - Implicações para a Psicologia Educacional.

Dias 7 e 8 de Junho, das 9h às 18h e das 9h às 13h, respectivamente, na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa.

(Carrega na imagem para a veres em tamanho real)

Contamos com a tua presença!

Tiago A. G. Fonseca

segunda-feira, 3 de junho de 2013

[Criminal-Forense] Sabes quando te mentem?


Pensamos que quando uma pessoa está a mentir hesita a falar, faz longas pausas no discurso ou desvia o olhar. Será sempre assim? Também se verifica que pessoas com um vestuário menos cuidado, vestidas de preto ou com uma aparência facial considerada menos atrativa dão uma impressão mais suspeita (Aune, Levine Ching & Yoshimoto, 1993; Frank & Gilovich, 1998; Vrij & Akehurst, 1997, citados por Vrij, 2008).
Os sinais demonstrados pelas pessoas podem depender do modo como se estão a sentir no momento: com culpa, medo ou adrenalina. Segundo o modelo de Zuckerman, DePaulo e Rosenthal (1981, citado por Vrij, 2008), esta é uma das abordagens descritas na mentira, a emocional. Se as pessoas se sentem culpadas de estar a mentir ou com medo de ser apanhadas, poderão apresentar aversão do olhar, menor orientação corporal dirigida a quem mentem e um aumento nos gestos que acompanham a fala. No entanto se se sentirem entusiasmadas por se estarem a “safar” com a mentira, poderá observar-se alegria e um aumento nos movimentos.
Existem ainda outras duas abordagens neste modelo: o de esforço cognitivo e de tentativa de controlo do comportamento. A mentira requer concentração, sendo necessário monitorizar as próprias palavras, recordar de afirmações anteriores e ocultar a verdade. Deste modo, afirma-se que o mentiroso caraterizado pela abordagem de esforço cognitivo irá piscar menos os olhos, falar mais devagar, fazer mais hesitações na fala e erros.
Na tentativa de controlo do comportamento, os mentirosos evitam comportamentos que possam denunciá-los, o que irá resultar em rigidez, comportamento ensaiado e falta de espontaneidade: não desviam o olhar, não fazem movimentos com o corpo que não sejam essenciais e o seu discurso é invulgarmente fluído.
Poderá assim afirmar-se que os aspetos verbais e comportamentais da mentira não são iguais em todas as pessoas, devendo também de se ter atenção às particularidades da situação.

Ana Lopes

Referências
Vrij, A. (2008). Detecting Lies and Deceit: Pitfalls and Opportunities (2ª Ed.). Chichester: John Wiley & Sons, Ltd.

sábado, 1 de junho de 2013

[Psicriancices]: A TCC com Crianças


Normalmente, os modelos das perturbações dos adultos são adoptados como base inicial para a compreensão das mesmas perturbações em crianças. Da mesma forma, as intervenções psicológicas dirigidas a perturbações na infância têm sido desenvolvidas a partir de modelos cognitivo-comportamentais dirigidos às perturbações dos adultos. Contudo, as crianças não são de forma alguma “pequenos adultos” e quando trabalhamos com elas percebemos rapidamente que estes acompanhamentos têm algumas particularidades e especificidades que os tornam bastante diferentes. Assim, gostávamos de vos falar de dois aspectos que consideramos muito importantes:


Comecemos pelos aspectos do desenvolvimento da criança. O reconhecimento da importância das questões do desenvolvimento na conceptualização da psicopatologia na infância não é recente. Contudo, o impacto deste reconhecimento tem sido lento a ser filtrado para a literatura da intervenção. Muitos dos protocolos de avaliação e intervenção com crianças parecem assumir que as crianças de todas as idades são: (a) capazes da metacognição (ou seja, são capazes de "pensar sobre o seu próprio pensamento"); (b) capazes de entender o seu próprio estado emocional e o estado emocional dos outros; e (c) conseguem aprender a auto-regular o seu próprio comportamento. Estes protocolos parecem ignorar algo que o campo da psicologia do desenvolvimento investigou extensivamente - a presença de estádios de desenvolvimento cognitivo e socio-emocional e o facto de que estas capacidades só estão em geral totalmente desenvolvidas no final da infância. Assim, é nossa opinião que a valorização e o reconhecimento dos padrões de desenvolvimento devem proporcionar importantes guidelines para implementação de protocolos de intervenção com crianças.

Por último, mas não menos importante, gostávamos de vos falar do facto de as crianças não serem clientes individuais. Normalmente, não são as crianças que recorrem à ajuda de um psicólogo, mas sim os seus pais/cuidadores. Procurar ajuda para si mesmo é muito diferente de ser enviado pelos pais para o psicólogo! Inicialmente as crianças podem não se sentir motivadas para a terapia e inclusivamente podem opor-se à mesma. Este facto é importante e tem implicações directas na intervenção com crianças. Um dos maiores desafios iniciais do psicólogo é fazer com que a criança goste de estar na terapia e que queira voltar na próxima sessão! Assim, os esforços para criar um ambiente divertido, afectivo e agradável são essenciais para uma maior motivação da criança e dos pais. Outro dos desafios enfrentados pelo psicólogo tem a ver com o facto das crianças e o seu comportamento depender em grande parte do mundo que as rodeia. Consequentemente, o papel da família é fundamental. É importante identificar a visão dos pais sobre os problemas da criança, perceber o papel das suas cognições e dos seus comportamentos no desenvolvimento e manutenção do problema e avaliar a capacidade que eles têm para apoiar a intervenção. A escola e outras influências contextuais também devem ser consideradas. Deste modo quando trabalhamos com crianças, embora o objectivo seja a mudança individual, múltiplas influências devem ser consideradas e incorporadas.

Sabia que?
Um estudo de Kendall e Southam-Gerow (1996) observou que, passado um ano após a TCC dirigida às perturbações de ansiedade, o que crianças relembraram como o mais importante foi a “relação terapêutica” (nome do terapeuta, simpatia do terapeuta…) e o que consideraram menos importante foi o preenchimento de questionários. Por outro lado, 39% das crianças relataram ter usado pelo menos uma vez as estratégias aprendidas e 27% relataram um uso activo actual. Em resposta a uma pergunta sobre auto-confiança, 94% das crianças afirmaram que sua auto-confiança aumentou.

Teresa Marques
Vanessa Russo

Referências:
Barrett, P.M. (2000). Treatment of childhood anxiety: developmental aspects. Clinical Psychology Review, 20, 479-494.

Kendall, P. C. (Ed). (2006). Child and adolescent therapy: Cognitive-behavioral procedures (3rd ed.) New York: Guilford Press.

Kendall, P.C., Southam-Gerow, M.A. (1996). Long-term follow-up of a cognitive-behavioral therapy for anxiety-disordered youth. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 64, 724-30.

[Psicriancices]: Apresentação


Olá a todos,

Esta rubrica nasceu depois do Tiago nos ter desafiado a escrever qualquer coisa na área da intervenção cognitivo-comportamental com crianças. Na ideia o Psicriancices nasceu rapidamente, mas sejamos honestas demorou muito tempo a passar para o papel. Durante meses e meses dissemos uma à outra: “Ai agora não vai dar”; “é totalmente impossível escrever seja o que for neste momento”; “não tenho tempo…”. Mas afinal, quando dizemos aos pais das crianças que acompanhamos que não podemos deixar-nos levar por estas desculpas, depois apanhamo-nos em contradição com aquilo que nós próprias fazemos?!?!?! Isso é, digamos, “complicado”. Acabaram-se as desculpas.

- Aqui está o “Psicriancices” - uma rubrica essencialmente dirigida a alunos e alunas de psicologia que tenham algum interesse em intervenção com crianças. Tentaremos dar um panorama geral sobre o que se sabe e se faz hoje de melhor, remetendo-nos às recomendações dos especialistas. Tentaremos fazer isto duma forma simples e prática.

Esperamos estar à altura do desafio.

Teresa Marques
Vanessa Russo