sábado, 1 de junho de 2013

[Psicriancices]: A TCC com Crianças


Normalmente, os modelos das perturbações dos adultos são adoptados como base inicial para a compreensão das mesmas perturbações em crianças. Da mesma forma, as intervenções psicológicas dirigidas a perturbações na infância têm sido desenvolvidas a partir de modelos cognitivo-comportamentais dirigidos às perturbações dos adultos. Contudo, as crianças não são de forma alguma “pequenos adultos” e quando trabalhamos com elas percebemos rapidamente que estes acompanhamentos têm algumas particularidades e especificidades que os tornam bastante diferentes. Assim, gostávamos de vos falar de dois aspectos que consideramos muito importantes:


Comecemos pelos aspectos do desenvolvimento da criança. O reconhecimento da importância das questões do desenvolvimento na conceptualização da psicopatologia na infância não é recente. Contudo, o impacto deste reconhecimento tem sido lento a ser filtrado para a literatura da intervenção. Muitos dos protocolos de avaliação e intervenção com crianças parecem assumir que as crianças de todas as idades são: (a) capazes da metacognição (ou seja, são capazes de "pensar sobre o seu próprio pensamento"); (b) capazes de entender o seu próprio estado emocional e o estado emocional dos outros; e (c) conseguem aprender a auto-regular o seu próprio comportamento. Estes protocolos parecem ignorar algo que o campo da psicologia do desenvolvimento investigou extensivamente - a presença de estádios de desenvolvimento cognitivo e socio-emocional e o facto de que estas capacidades só estão em geral totalmente desenvolvidas no final da infância. Assim, é nossa opinião que a valorização e o reconhecimento dos padrões de desenvolvimento devem proporcionar importantes guidelines para implementação de protocolos de intervenção com crianças.

Por último, mas não menos importante, gostávamos de vos falar do facto de as crianças não serem clientes individuais. Normalmente, não são as crianças que recorrem à ajuda de um psicólogo, mas sim os seus pais/cuidadores. Procurar ajuda para si mesmo é muito diferente de ser enviado pelos pais para o psicólogo! Inicialmente as crianças podem não se sentir motivadas para a terapia e inclusivamente podem opor-se à mesma. Este facto é importante e tem implicações directas na intervenção com crianças. Um dos maiores desafios iniciais do psicólogo é fazer com que a criança goste de estar na terapia e que queira voltar na próxima sessão! Assim, os esforços para criar um ambiente divertido, afectivo e agradável são essenciais para uma maior motivação da criança e dos pais. Outro dos desafios enfrentados pelo psicólogo tem a ver com o facto das crianças e o seu comportamento depender em grande parte do mundo que as rodeia. Consequentemente, o papel da família é fundamental. É importante identificar a visão dos pais sobre os problemas da criança, perceber o papel das suas cognições e dos seus comportamentos no desenvolvimento e manutenção do problema e avaliar a capacidade que eles têm para apoiar a intervenção. A escola e outras influências contextuais também devem ser consideradas. Deste modo quando trabalhamos com crianças, embora o objectivo seja a mudança individual, múltiplas influências devem ser consideradas e incorporadas.

Sabia que?
Um estudo de Kendall e Southam-Gerow (1996) observou que, passado um ano após a TCC dirigida às perturbações de ansiedade, o que crianças relembraram como o mais importante foi a “relação terapêutica” (nome do terapeuta, simpatia do terapeuta…) e o que consideraram menos importante foi o preenchimento de questionários. Por outro lado, 39% das crianças relataram ter usado pelo menos uma vez as estratégias aprendidas e 27% relataram um uso activo actual. Em resposta a uma pergunta sobre auto-confiança, 94% das crianças afirmaram que sua auto-confiança aumentou.

Teresa Marques
Vanessa Russo

Referências:
Barrett, P.M. (2000). Treatment of childhood anxiety: developmental aspects. Clinical Psychology Review, 20, 479-494.

Kendall, P. C. (Ed). (2006). Child and adolescent therapy: Cognitive-behavioral procedures (3rd ed.) New York: Guilford Press.

Kendall, P.C., Southam-Gerow, M.A. (1996). Long-term follow-up of a cognitive-behavioral therapy for anxiety-disordered youth. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 64, 724-30.

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