quinta-feira, 17 de abril de 2014

[Comboio do Desenvolvimento]: Noção de Estádio de Desenvolvimento


Fases, etapas, níveis, estádios…do desenvolvimento psicológico

Vimos que, desde há muito tempo, a descrição do ciclo de vida das pessoas induziu a delimitação de diferentes fases, períodos, etapas, níveis ou estádios do desenvolvimento físico e psicológico associadas a diferentes práticas educativas ou de socialização.
Contudo, deixei uma interrogação aos meus leitores sobre a natureza universal ou relativamente consensual dessas divisões do ciclo de vida, recordam-se? Mais precisamente, será que ao longo da história, nas diferentes culturas ou até entre os investigadores do desenvolvimento humano, nos deparamos sempre com uma divisão comum, idêntica, dessas fases, períodos, etapas, níveis ou estádios que parecem marcar a sucessão do desenvolvimento humano?
Por hoje, vamos então invocar alguns exemplos históricos e interculturais que desafiam a nossa reflexão. 

Conta-nos Tran-Thong (1976), que na Índia antiga, a vida das pessoas das castas socialmente mais elevadas era dividida em seis períodos associados a diferentes rituais e modos de viver. O recém-nascido era sujeito ao rito da denominação; aos 3 anos, a criança submetia-se ao corte do cabelo e recebia o traje da sua família; entre os 8 e os 12 anos, era confiada a um preceptor numa cerimónia que marcava o seu nascimento espiritual e o início do tempo de educação literária e marcial; aos 16 anos, o jovem voltava à casa paterna, era sujeito ao rito do corte da barba e declarado pronto para casar para, em seguida, passar a dono de casa, responsável pela sua família e pela sua profissão; por fim, quando se sentia velho, deixava a família, retirava-se na floresta, para meditar os textos sagrados e aceder ao estatuto supremo de monge, nómada e mendicante.  
Conta-nos ainda Tran-Thong (1976) que, entre os antigos romanos, a vida das pessoas era também dividida em seis fases que parecem, aliás, cada vez mais actuais nas nossas sociedades desenvolvidas: o infans até aos 7 anos, o puer dos 7 aos 17 anos, o adolescens dos 17 aos 30 anos, o juvenis dos 30 aos 46 anos, o senior dos 46 aos 60 anos e o senex dos 60 aos 80 anos.
Conta-nos finalmente Ferreira da Silva (1982) que na nossa cultura, ainda há pouco tempo, a vida das pessoas se dividia em quatro fases: a idade da razão aos 7 anos, a adolescência desde os 14 anos, a maioridade aos 21 anos e a aposentação aos 70 anos.

Ora, estes simples exemplos históricos e culturais sugerem já algumas conclusões que legitimam, mas também desafiam, a distinção e conceptualização de diferentes fases, etapas, períodos, níveis ou estádios no ciclo de vida humana.
Em primeiro lugar, há muito tempo que os homens se aperceberam que acontecem mudanças, orgânicas e psicológicas, relativamente uniformes, universais e irreversíveis, pois são comuns à maioria das pessoas, podem ocorrer em diversos contextos de vida e, quando ocorrerem, perduram no tempo e nunca mais se perdem.    
Em segundo lugar, há muito tempo que os homens se aperceberam que essas mudanças são direccionadas, progressivas e relativamente inevitáveis, pois obedecem a uma ordem de sucessão constante que acompanha, basicamente, a sequência de evolução e involução biológica do nosso próprio organismo e o percurso que, acreditamos, caracteriza o desenvolvimento psicológico típico do Homem.   
Em terceiro lugar, há muito tempo que os homens se aperceberam que essas mudanças não são meramente superficiais, contingentes, ocasionais ou idiossincráticas, são mudanças profundas, estruturais e consistentes da conduta humana que, como vimos, têm orientado e regulado a integração do indivíduo em diferentes níveis de educação e em diferentes formas de vida pessoal e social.

Porém, tanto o número de etapas, fases, períodos do ciclo de vida humana, como as idades e mesmo a identificação das mudanças que as demarcam, variam com o tempo histórico, com a cultura, com a classe social, enfim, com um conjunto de variáveis de natureza social, contextual e até individual que parecem também indicar que essas divisões permanecem eventualmente mais artificiais e culturais do que naturais, estruturais e consensuais.
Em síntese, um simples olhar histórico-cultural mostra já porque continua em aberto o debate sobre a noção de estádio do desenvolvimento psicológico. De facto, a conceptualização das mudanças que interessam os psicólogos do desenvolvimento permanecem ainda largamente dependentes da perspectiva de pensamento, moderno ou pós-moderno, dos próprios investigadores, dos seus domínios de estudo e das limitações metodológicas inerentes à própria investigação científica.

Maria Stella Aguiar

Referências
Chandler, M. (1997). Stumping for progress in a post-modern world. In E. Amsel & K. A. Renninger (Eds), Change and development. Issues of theory, method and application. N.J: Lawrence Erlbaum.
Lourenço, O. (2002). Psicologia de Desenvolvimento Cognitivo: Teoria; Dados e Implicações. 2ª Ed. Coimbra: Almedina.
Silva, F. (1982). Estudos de Psicologia. Coimbra: Livraria Almedina.
Tran-Thong (1987). Estádios e Conceito de Estádio de Desenvolvimento da Criança na Psicologia Contemporânea. Vol. 1 e 2. Porto: Afrontamento.

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